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Travalínguas

JOSÉ SANT’ANNA

Quem observa, com atenção, a linguagem de cada momento poderá verificar entre as palavras uma série de elementos estranhos que a enfeiam e desfiguram o nosso pensamento. As vezes se tornam intoleráveis. É o caso, por exemplo, da balbu-ciência que consiste em certos defeitos de dicção e forçam a pessoa a ser hesitante, reticente. E também o caso da gaguez, por vezes enervante.

O folclore - atuando em todo o campo da ação humana - poderá prestar à pessoa que fala mais um de seus benefícios através dos travalínguas. Os travalínguas servem para corrigir algumas dificuldades de pronúncia. Aos dislálicos (pessoas que têm dificuldade em articular as palavras) e aos que têm a língua presa, não há melhor remédio que uma boa dosagem de travalínguas.

Os travalínguas, além de aperfeiçoadores da pronúncia, servem para divertir e provocar disputa entre amigos. São embaraçosos, provocam risos e caçoadas. O emissor na prática dos primeiros exercícios parece estar com a língua enrolada. Mas rindo e passando o tempo, pratica a boa terapêutica para corrigir seus defeitos.

Geralmente, nos travalínguas, existe uma diferença de força entre as sílabas de uma palavra; elas tendem a trocar entre si um dos elementos. Num dado momento, um grupo de sons já não pode pronunciar-se e produz a metátese: "Tire o trigo dos três tigres". Na articulação desta frase um som pode ser antecipado. Este fenômeno explica-se pelo fato de os sons da linguagem interior terem valores diferentes: quando pronunciamos uma frase qualquer, todos os elementos vizinhos, que têm um valor igual, ressoam ao mesmo tempo na nossa consciência, tanto os sons que devem ser pronunciados imediatamente, como os que hão de ser pronunciados mais tarde, de modo que estes elementos troquem entre si o seu lugar.

Assim, quando pronunciamos uma frase, todos os elementos que a compõem existem na nossa consciência; mas o pensamento é mais rápido que a palavra. Daqui resulta que os sons ainda não emitidos podem influenciar as palavras ou os sons já emitidos.

Grande parte dos travalínguas consti¬tui exemplos de aliteração porque é formada pela repetição da mesma consoante no início de dois ou mais vocábulos: "Um papo de pato num prato de prata".

Observa-se também que alguns deles formam cacofonia, vício de linguagem que consiste em formar, com a junção de duas ou mais palavras, uma outra de sentido ridículo ou obsceno. Em outros exemplos está a onomatopéia, pois há imitação voluntária de um ruído natural, de modo imperfeito, por ser a nossa audição aproximada. É o caso dos primeiros elementos deste travalíngua "Purrutaco-ta-taco, a mulher do macaco, ela pita, ela fuma, ela toma tabaco". Depois de ouvirmos por al¬gum tempo o "Purrutaco-ta-taco", da voz de um papagaio, podemos imitá-lo, mas os sons imitados não podem ser integrados na fala corrente, na qual usa¬mos os sons naturais da fala humana.

Nota-se em alguns exemplos de travalínguas o jogo de significantes, isto é, há apenas a mudança de um ou alguns elementos que passam a situar-se em vários pontos do enunciado: "Pape a papinha, papai, senão o papão papa. E o papai papa pra que não pape o papão".

Os travalínguas ajudam aos que têm defeito de dicção a expressar com correção e clareza. A pronúncia depende de articulação e esta é que controla o ritmo e a modulação da palavra. No caso dos travalínguas, como recreação, passatempo, exige-se da pessoa muita rapidez ao pronunciar as palavras. Esta rapidez é que leva o locutor à supressão de um som, ao desaparecimento de sílaba ou permuta dos elementos (apóstrofo, elisão, sinalefa, síncope, haplologia, etc).

Exercícios que servem para corrigir difículdades de pronúncia (palavras de difícil articulação):
1- Bagre branco, branco bagre.
2- Porco crespo, toco preto.
3- Pau preto, pão preto.
4- Capa parda, parda capa.
5- O peito do padre Pedro é preto.
6- Tire o papo do pato de dentro do prato.
7- Um limão, dois limões, três limões.
8- Um tigre, dois tigres, três tigres.
9- Tire o trigo dos três tigres.
10- Um prato de trigo para os três tigres.
11-O menino deu trigo ao tigre e o tigre comeu todo o trigo.
12- Dê o trigo para os três tigres no prato de prata.
13- Trazei três pratos de trigo para três tigres comerem.
14- Titia toca a tropa com o trapo do prato.
15- A ave da viúva voava na viola do vovô.
16- Onde digo Digo, não digo Digo. digo Diogo.
17-0 rato roeu a correia da carroça do rei de Roma.
18-0 rato roeu a rede rubi da roseira da rua do grande guerreiro da quarta guerra.
19-0 cozinheiro cochichou que ha¬via cozido chuchu chocho num tacho sujo.
20- Quem a paca cara compra, paca cara pagará.
21- Eu cantarolaria, ele cantarolara, nós cantarolaríamos, eles cantarolariam.
22- Tu tagarelarias, vós tagarelaríeis, elas tagarelariam.
23- Desinquivincaria, desinquivi-caríamos, desinquivincaríeis.
24-Troque o trinco e traga o troco. Traga o troco e troque o trinco.
25- Um tatupeba. Quem o destatupe-batizar, bom destatupebatizador serrá.
26- Uma goiaba verdolenga, quem desverdolengá-la um bom desverdolen-gador será.
27- Sofia, você sabia que o sábio não sabia que a sábia não sabia que o sabiá sabia assobiar?
28- Sou um original que não se desoriginalizará, nem quando todos os originais estiverem desoriginalizados.
29- Sabendo o que sei e sabendo o que sabes e o que não sabes e o que não sabemos, ambos saberemos se somos sábios, sabidos ou simplesmente sabedores.
30- Pedro Pereira Pedrosa pediu passagem para Pirapora. Pode passar, porteiro, para pegar peixe piau.
31- Essa pessoa assobia, enquanto amassa e assa a massa da paçoca de amendoim.
32- Debaixo daquela pia tem um pinto; pia o pinto, pinga a pipa; a pipa pinga, o pinto pia.
33-O desinquivincavacador das caravelarias desinquivincavacaria as cavidades que deveriam ser desinquivin-cavacadas.
34- Se o príncipe de Constantinopla quisesse se desconstantinopolizar, qual seria o desconstantinopolizador que iria a Constantinopla para desconstantino-polizá-lo?
35- Pardal pardo, por que pairas? Pairo porque sempre pairei, porque sou pardal pardo, palrador dei-rei.
36-O peito de Pedro é preto. Quem disser que o peito de Pedro é preto terá o peito mais preto do que o peito de Pedro.
37- Em cima daquele morro tem um ferreiro velho que tem um fole velho. Quando o velho toca o fole, tanto fede o velho fole, como o velho fole fede.
38-O cantarolador tagarelava depois de cantarolar. Se o cantarolador só cantarolasse ele não tagarelaria.
39- Num jarro há uma aranha. Tanto a aranha arranha o jarro como o jarro arranha a aranha.
40- Lá em cima daquele morro tem 'ama arara e uma aranha. Tanto a aranha arranha a arara como a arara arranha a aranha.
41- Uma espingarda lazarina, quem a deslazarinizar um bom deslazarinizador será.
42- Uma placa de prata pregada numa pedra preta.
43- Uma taça de chifre simples foi a acha para entrada no circo chinês.
44- A arara é alada. A arara paira. Paira ou não pairará, arara alada?
45- Pôr o rabo de barro num burro sem rabo.
46- Em cima daquela árvore tem um ninho de mafagato, e quem lá chegar encontrará quatro mafagatinhos maman¬do na mafagata o leite mafagatoso. E quem o desmafagatar será um grande desmafagatador.
47- Um ninho de mafaguifos, com sete mafaguifinhos, quem tirar um mafaguifo, bom desmafaguifador será.

VARIANTES:
-Um ninho de mafagafa, com cinco mafagafmhos, quem desmafagar o ninho, bom desmafagador será.
-Num ninho de mafagafas, com cinco mafagafinhos, quem desmafagar o ninho, bom desmafagador será.
-Num ninho de mafagafos tinha seis mafagafinhos, quem os desmafagafar será o maior desmafagafador.

ALGUMAS FÓRMULAS VERSIFICADAS DE PRONÚNCIA DIFÍCIL
48- Não sei se é fato ou se é fita, Não sei se é fita ou fato.
O fato é que você me fita E fita mesmo de fato.
49- Num ninho de maçarico Três maçaricozinhos há. Quem os desmaçariquizar, Bom desmaçariquizador será.
50- A aranha arranha a rã, A rã arranha a aranha. Arranha a aranha a rã?
A rã, a aranha arranha?
51- Fale rápido, apressado: Se ela foge, também fujo, Um porco preto comendo Chuchu chocho em tacho sujo.
52- Um ninho de manfagafas Com nove manfagafinhos, Quando a manfagafa fala Falam todos os manfagafinhos.
53- Um sapo dentro de um saco, O saco co'o sapo dentro,
O sapo batendo papo E o papo cheio de vento.
54- Uma velha seca, seca, Seca, seca, se casou
Com um velho seco, seco Seco, seco, se secou.
55- Triste trolha atrapalhão, De trepar tanta trapeira, Consertar tanto telhado, Estragar tanta goteira.
56- Para ouvir o tique-taque, Tique-taque, tique-taque, Depois que um tique toca
É que se toca um taque.
57- Um ninho de tico-tico Com cinco tico-tiquinhos, Quem tirar um tico-tico
Bom descoticotizador será.
58- Se o papa papasse papa, Se o papa papasse pão,
O papa tudo papava, Seria um papa papão.
59- Quando eu penso que tu pensas Que eu já não penso mais em ti, Esse pensar me faz pensar
Que já não pensas mais em mim.
60- O doce perguntou pr'o doce Qual doce era mais doce.
O doce respondeu pr'o doce Que o doce mais doce É o doce de batata doce.
61-O tempo perguntou pr'o tempo Quanto tempo o tempo tem. E o tempo respondeu pr'o tempo Que não tem tempo de dizer pr'o tempo Quanto tempo o tempo tem.

PEQUENO RELATO (formando eco)
62 - Uma velha firinfinfelha de marincuntelha com sua filha firinfinfilha de marincuntilha foram ao circo firinfinfirco de marincuncirco. A filha firinfinfilha de marincuntilha gostou do palhaço firinfinfaço de marincuntaço. Mas a velha firinfinfelha de marincuntelha deu um fiasco firinfinfasco de marincuntasco, pegando a filha firinfinfilha de marincuntilha, quebrou-lhe o braço firinfinfaço de marincuntaço.

Eis aqui, conselhos e exercícios, alguns apenas, mas suficientes para os que, interessados em aprimorar a dicção, ou melhorar a voz, possam deles utilizar.
Perceberam que tanto uma pessoa quanto a outra travam a língua - crianças ou adultos. Crianças têm mais dificuldade para pronunciar algumas palavras, mesmo que elas sejam do uso diário

A diferença é que a criança apresenta mais problemas da fala, porque está em desenvolvimento, aprendendo a usar os músculos da face, da boca e da garganta. E a fala sairá mais errada ainda se a língua e os dentes estiverem mal colocados.

Quem sabe se os travalínguas não constituem uma técnica a mais, para que se possam corrigir, com alguns desses exercícios, os defeitos da fala? Creio que sim. Para isso, a principal condição é ter-se boa vontade e aplicá-los como teste.

Preciso é que não se tenha pressa em vencer os primeiros obstáculos. Experimentemos!

Estes travalínguas foram recolhidos em Olímpia com a ajuda de estudantes do curso de segundo grau do Colégio e Escola Normal Estadual "Capitão Narciso Bertolino", 1964-1970.